Fim do Azucrino

Estas visões. Figuras que aparecem com pertinácia. Clarões que trazem à tona a falácia de coisas já muito perdidas. Ilusões do passado, produto dum deformado pensamento desvirtuado pela descrença na verdade. Surge crescendo nos pulmões um grito escancarado pela sinceridade que pede o momento. Saiu de mim, como um lamento que ganha o ar, escapando-me de dentro do peito, feito um gracejo do destino que prega um delírio à minha vista cansada. E volta a desgraçada com sede de mais. Enche meus ouvidos, sufoca minha garganta. Atrai meu ser num visco e me quebranta. Eu digo, eu nego, mas não adianta. Afogo-me em palavras que são incapazes de inocentar a razão que permanece ignorada pelo coração. Maldito bandido que me traz perturbação. Fico alucinado procurando indignado por uma resposta a essa questão. Foge fácil a fala quando a face fita a figura dela. Faço-me de cego ao belo semblante que a tratante exibe. Corro por um instante prum mundo distante criado pela vontade de sumir dali. Mas não adianta. Quando percebi, era tarde. Sou uma criança que chora graças à realidade que lhe brinda com maldade tudo que sonhara com gosto. Isso não me foi imposto, de maneira alguma. Apenas sei que me provoca, em suma, porque lhe faz bem. Peste! Cesse isso agora! Veste tua pele de cordeiro e vá embora. Chega de azucrino. Agora termino a questão com o mofino momento desejado há muito tempo por mim de te deixar para trás. Falta nenhuma você me faz. Adeus.

Pílulas e Solidão

 

Neste mundo em que vivemos, cada vez mais é difícil sermos a mesma pessoa para nós e para os outros. Temos medo de demonstrar algum tipo de fraqueza quando somos sinceros. É como se quando disséssemos o que somos, entregássemos uma arma com potencial para nos destruir nas mãos dos outros. De fato, isso realmente é possível e, por conseguinte, acontece. Então cada dia que passa, vemo-nos mais afastados dos outros em nossa sociedade. Se tivermos a sorte de ainda mantermos um laço com os antigos amigos de escola, da rua onde crescemos e assim por diante, então somos pessoas privilegiadas, pois dificilmente, para as pessoas de hoje, se faz amizades fora do âmbito do trabalho. E porque isso? Simplesmente por que passamos pelo menos metade de nossa vida trabalhando. Tais pessoas que encontramos lá, e que por elas desenvolvemos alguma ligação afetiva, que serão aqueles que nos darão o suporte que uma amizade pede. Mas, como em geral, todos estão preocupados com o salário do final do mês, a possível ascensão na empresa, resumidamente seu próprio umbigo, eles ignoram essa necessidade coletiva. Cria-se um coleguismo, alguns com os quais trocamos mais do que um “bom dia” e nada mais.

Como dito antes, isso se mostra no geral. Não digo que não existam amizades verdadeiras nesses ambientes, mas infelizmente o que prevalece não são elas. Sendo assim, quando alguém sofre algum tipo de problema de qualquer tipo que seja, ele encontra dificuldades para se expressar com pessoas que ele teme que possam lhe prejudicar caso saibam de algo. A pessoa então começa a guardar suas dores e temores. Isso vai se acumulando de tal forma, que num dado momento a pessoa sente que uma bomba foi criada, e de alguma forma explodirá. E ela realmente explode, na forma de derrames, infartos, diabetes, hipertensão, etc., coisas que certamente encurtariam nossos dias de vida. Tudo isso poderia ser evitado se encontrássemos confiança entre as pessoas que convivemos. Se fossemos mais solícitos, mais empáticos. Tudo poderia ser evitado se pudéssemos ser aqueles que realmente somos no íntimo. A palavra “franco” precisa deixar de ser relacionada com a palavra “fraco”. Esse conceito falho de apenas um “n” separa-nos de uma vida mais tranquila, com menos dissabores e com mais compaixão de uma vida com mais dores, temores e incertezas.

Precisamos dar um fim nisso. Devemos acabar com essas tolices contemporâneas. Tudo seria tão mais fácil se pudéssemos ser e sentir esse apoio dos outros. A ganância e a arrogância nunca terão fim se a equidade não acontecer. É algo que demorará muito para ser mudado. Paremos já de usarmos somente o cérebro e demos mais chances ao coração. Precisamos começar essa mudança em algum momento, porque se não, se tivermos a sorte de atingir a velhice, seremos pessoas que têm como amigos pílulas, soros, pomadas e afins ao invés de pessoas de carne e osso. Eu sei que isso tudo soa um tanto fantasioso, um delírio desesperado, mas às vezes é disso que precisamos para que as coisas mudem.